Gêmeos e gemidos
Univitelinos.
Assim, Diego e Diogo brotaram da mesma sementinha, uma mesma garça os trouxe...
mas, nem todas a fábulas infantis para quase-adolescentes-curiosos seriam
suficientes para descrever a situação pois, mais que óvulo, placenta e útero,
pareceram dividir uma só alma. Ainda na gravidez descobriram a razão mística
que os levaram a serem protagonistas de um conto qualquer: tudo o que acontecia
com um, o outro sentia.
Certa
vez, ainda no calor da barriga da mãe, no afã de ganhar espaço, Diogo enfiou o
dedo no olho de Diego, sentindo em seu próprio corpo, a dor infligida ao irmão.
Quando nasceram, os pais que nada sabiam desta condição, viram com espanto o
médico dar os inevitáveis tapinhas nas costas do primeiro bebê e perceberem que
o outro automaticamente desmanchar em gritos e soluços como que se nele próprio
fosse a agressão necessária à vida.
Durante
a infância, era comum à mãe, que assistia televisão até mais tarde, surpreender-se
com Diego levantando de seu quarto para, tomar rumo ao quarto do irmão e
escutá-lo, embora menino, extremamente nervoso, falando em tons cinzas de
raiva:
- Eu já falei pra você dormir de
travesseiro!!! Meu pescoço não aguenta mais, Diogo!!! - e a trote, voltar
para retomar o seu sono.
Decidiram
não contar ao restante da família desta piada ou milagre de Deus, temendo a
incompreensão e o julgamento maledicente. E acabaram por se acostumarem, irmãos
e pais, com aquela situação, embora algumas vezes amaldiçoavam-na com toda a
força possível. Explico: Diego não gostava de cebola, Diogo, amava; Diogo
adorava banho quente, Diego, odiava; Diogo não ficava sem sua aula de balé,
Diego lutava boxe!
Quando
decidiram colocar brincos, procuraram um local onde tivesse dois profissionais
do ramo para que pudesse furar as orelhas os dois, simultaneamente, no mesmo
ato, no mesmo segundo... em vão! A dor foi em dobro! Centraram-se em gostos
comuns para amenizar a situação. Optaram por estarem juntos quanto mais
possível fosse. Vigiavam-se. Embora algumas vezes, era inevitável a ira dos
céus despencar sobre os dois:
- Diogo, quero ir ao banheiro... é urgente!
- EU SEI, PORRA! Tinha que no final do
filme!!!
Isto os
afastou. E, embora unidos por condição divina de conhecer a fundo um ao outro,
odiaram-se. Na adolescência quase não se falavam. E a mãe desesperada, que não
podia compreender a profundidade da questão, chorava pela inimizade dos dois
irmãos.
Certa
noite de sábado, noite esta de difícil esquecimento para Diego, estava este em
um bar com amigos quando subitamente soltou, a plenos pulmões, um:
- Ui! - enquanto dava um solavanco na
cadeira.
- Que isso Diogo, tá passando mal?
- Não, é que eu senti uma dor aqui.... Ui!
- Onde? Onde? Quer ir ao hospital?
- Ui! Não, não... acho que vou embora! Ui!
Três
semanas se passaram desde a primeira sensação. Nas noites dos finais de semana,
os pais escutavam Diego, que já não saia mais, entres prantos e solavancos,
gemer, sem nada entenderem. Mas esta situação não podia perdurar! E durante o
almoço do dia seguinte, surpreendendo à todos pelo ímpeto e o ódio, Diego
levantou-se da mesa e gritou para o irmão com o dedo em riste:
- Assuma, seu cretino! Conte para o papai e a
mamãe! Assuma, infeliz!
Vendo
que seria impossível sair daquele arcabouço, Diogo disse em tom baixo:
- Descobri que sou gay...
Este
conto bem que poderia terminar aqui. A piada já fora lançada. E sem preconceito
e julgamento, por favor. Mas, não! Não seria digno um final tão pobre! Os
melhores filmes e novelas possuem aquela cena épica, grandiosa, memorável!
Retomemos o mote:
- Descobri que sou gay...
Neste
instante, atordoado pela visão da arma de fogo que Diego acabara de sacar e
pelo prenúncio do que viria, a mãe quis gritar, embora o tempo não fora
suficiente para tal. Diego, tomado pela ira e pela dor no púbis, descarregou o
revolver contra o irmão. Não houve dó,
piedade e muito menos raciocínio de sua parte, pois, enquanto atirava, sentia
queimar em seu peito explosões quentes e mortais, fazendo-o também cair ao
solo. Muito embora saibam os pais com propriedade a razão, os médicos nunca descobriram
a causa mortis de Diego...