domingo, 8 de julho de 2012


Gêmeos e gemidos


                        Univitelinos. Assim, Diego e Diogo brotaram da mesma sementinha, uma mesma garça os trouxe... mas, nem todas a fábulas infantis para quase-adolescentes-curiosos seriam suficientes para descrever a situação pois, mais que óvulo, placenta e útero, pareceram dividir uma só alma. Ainda na gravidez descobriram a razão mística que os levaram a serem protagonistas de um conto qualquer: tudo o que acontecia com um, o outro sentia.
                        Certa vez, ainda no calor da barriga da mãe, no afã de ganhar espaço, Diogo enfiou o dedo no olho de Diego, sentindo em seu próprio corpo, a dor infligida ao irmão. Quando nasceram, os pais que nada sabiam desta condição, viram com espanto o médico dar os inevitáveis tapinhas nas costas do primeiro bebê e perceberem que o outro automaticamente desmanchar em gritos e soluços como que se nele próprio fosse a agressão necessária à vida.
                        Durante a infância, era comum à mãe, que assistia televisão até mais tarde, surpreender-se com Diego levantando de seu quarto para, tomar rumo ao quarto do irmão e escutá-lo, embora menino, extremamente nervoso, falando em tons cinzas de raiva:
                        - Eu já falei pra você dormir de travesseiro!!! Meu pescoço não aguenta mais, Diogo!!! - e a trote, voltar para retomar o seu sono.
                        Decidiram não contar ao restante da família desta piada ou milagre de Deus, temendo a incompreensão e o julgamento maledicente. E acabaram por se acostumarem, irmãos e pais, com aquela situação, embora algumas vezes amaldiçoavam-na com toda a força possível. Explico: Diego não gostava de cebola, Diogo, amava; Diogo adorava banho quente, Diego, odiava; Diogo não ficava sem sua aula de balé, Diego lutava boxe!
                        Quando decidiram colocar brincos, procuraram um local onde tivesse dois profissionais do ramo para que pudesse furar as orelhas os dois, simultaneamente, no mesmo ato, no mesmo segundo... em vão! A dor foi em dobro! Centraram-se em gostos comuns para amenizar a situação. Optaram por estarem juntos quanto mais possível fosse. Vigiavam-se. Embora algumas vezes, era inevitável a ira dos céus despencar sobre os dois:
                        - Diogo, quero ir ao banheiro... é urgente!
                        - EU SEI, PORRA! Tinha que no final do filme!!!
                        Isto os afastou. E, embora unidos por condição divina de conhecer a fundo um ao outro, odiaram-se. Na adolescência quase não se falavam. E a mãe desesperada, que não podia compreender a profundidade da questão, chorava pela inimizade dos dois irmãos.
                        Certa noite de sábado, noite esta de difícil esquecimento para Diego, estava este em um bar com amigos quando subitamente soltou, a plenos pulmões, um:
                        - Ui! - enquanto dava um solavanco na cadeira.
                        - Que isso Diogo, tá passando mal?
                        - Não, é que eu senti uma dor aqui.... Ui!
                        - Onde? Onde? Quer ir ao hospital?
                        - Ui! Não, não... acho que vou embora! Ui!
                        Três semanas se passaram desde a primeira sensação. Nas noites dos finais de semana, os pais escutavam Diego, que já não saia mais, entres prantos e solavancos, gemer, sem nada entenderem. Mas esta situação não podia perdurar! E durante o almoço do dia seguinte, surpreendendo à todos pelo ímpeto e o ódio, Diego levantou-se da mesa e gritou para o irmão com o dedo em riste:
                        - Assuma, seu cretino! Conte para o papai e a mamãe! Assuma, infeliz!
                        Vendo que seria impossível sair daquele arcabouço, Diogo disse em tom baixo:
                        - Descobri que sou gay...

                        Este conto bem que poderia terminar aqui. A piada já fora lançada. E sem preconceito e julgamento, por favor. Mas, não! Não seria digno um final tão pobre! Os melhores filmes e novelas possuem aquela cena épica, grandiosa, memorável! Retomemos o mote:
                        - Descobri que sou gay...
                        Neste instante, atordoado pela visão da arma de fogo que Diego acabara de sacar e pelo prenúncio do que viria, a mãe quis gritar, embora o tempo não fora suficiente para tal. Diego, tomado pela ira e pela dor no púbis, descarregou o revolver contra o irmão.  Não houve dó, piedade e muito menos raciocínio de sua parte, pois, enquanto atirava, sentia queimar em seu peito explosões quentes e mortais, fazendo-o também cair ao solo. Muito embora saibam os pais com propriedade a razão, os médicos nunca descobriram a causa mortis de Diego...