Trata-se de senso comum a paradoxal afeição/repulsa do brasileiro por uma fila. Dizem alguns até que, outros, ao passar por um local qualquer, entram em filas pelo simples (des)gosto de estar em uma fila. A fila é o assunto predileto do final de um dia de serviço: “peguei um fila no banco”! A fila é a mãe da paciência. A fila é o chamado da incompetência. A Fila é a prova maior da miscigenação brasileira onde rostos e cores e temperamentos dos mais variados formatos trocam olhares tímidos até o silêncio ser quebrado. “Essa fila não anda, né”. Pronto. O início de tudo. Picadeiro para lamentações. Nascimento de casamentos e amizades. Lennon e McCartney se conheceram em um fila. Batman e Robin. Han Solo e Chubaca...
A fila é o prazer predileto do idoso...
- Essa fila não anda, né – é um senhor a minha frente que fala.
- É.
- Sabe que um dia eu fiquei seis horas em uma fila.
- Mentira!
- É verdade. Sabe, eu moro sozinho, sou viúvo, casei três vezes, meus filhos moram em Brasília, só saio de casa pra receber minha aposentadoria...
Alguns minutos depois.
- ... em 46 eu estava na Itália quando minha infantaria...
Muitos minutos depois.
- ... eu chutei na trave! Na trave!
Finalmente o senhor é o próximo a ser atendido. Agradeço a conversa. Ele devolve o meu lenço molhado pelas seis vezes em que chorou. Atônito vejo o velho se despedir da minha pessoa sem se dirijir ao caixa e buscar o fim da fila! Dois minutos após me busco a saída do banco a tempo de escutá-lo dizendo para a jovem que se encontra à sua frente: -“essa fila não anda, né. Sabe, um dia eu fiquei seis horas em uma fila”...
A fila é a arena da paquera...
- Essa fila não anda, né – ele é que puxa o papo.
- É verdade – responde ela sem maior interesse.
- Você tem muita coisa pra pagar?
- Não, só minha conta de telefone.
- Posso ver? É que tem alguns títulos que este banco não recebe.
- Uai, se é assim, por favor.
O rapaz passa a tomar nota de algo com uma caneta na palma de sua mão.
- Peraí, o que você está anotando?!
- Seu telefone...
Filas, filas... em todos os cantos da vida...
Na fila do banheiro tragédias desabam sobre a cabeça dos viventes! Primeiro, temos a épica situação dos tímidos (ou complexados), que não importa quantos mictórios retangulares estejam disponíveis, eles os refutam e esperam por cerca de quinze minutos o rapaz bêbado melhorar para utilizarem da discrição da cabine individual da privada. Fica ali, recluso e calado, e se contorcendo para aguentar a vontade.
Filas, filas... em todos os cantos da vida...
Toda fila tem aquele enxerido que não puxa conversa! Fica calado escutando o papo dos outros... e observando de canto de olho o que voce vai pagar... Ou aquele espertinho que tenta furar a fila! Sacrilégio!
Filas, filas... em todos os cantos da vida...
Na fila do self-service então... apenas um aceno de cabeça como cumprimento... e olhares censuradores quanto aquilo que voce põe no prato...
Filas, filas... em todos os cantos da vida...
E aquele caso verídico do guardinha que ficava o tempo todo arrumando a fila e, com isso, não percebeu o banco ser assaltado...
Não importa aonde, elas sempre irão existir. Enquanto ser humano, tenho tentado me acostumar a elas. Grandes e pequenas. Demoradas ou não... Sempre nos imbuirão daquela relatividade de tempo que nos remete diretamente ao –“Essa fila não anda, né”... bem como aquela sensação de que a fila ao lado, sempre anda mais rápido... Fui Murphy que disse isso? Basta-nos então tirar o melhor proveito delas enquanto vivos... ou mortos, porque disseram-me que tem fila pra entrar no céu!