domingo, 4 de março de 2012

Nossas Velhas Tendências (ou O Crime (Comum) Não Compensa)

Era, apesar de tudo, uma alma boa. Duro, mas boa pessoa. Ladrão, mas caridoso. Isso de certa forma o confortava. Mas só um pouco. Também colocava a culpa no “Sistema”, no Fofão – que acreditava ter pervertido sua juventude - e na “Teoria do Caos”. Gatuno, mas pensador. Isso de certa forma o confortava. Mas só um pouco.

Corria avidamente pela rua. Cobriu cem metros em quinze segundos. Uma grande marca. Não havia quem o perseguisse, mas o instinto assim o pedia. Acabara de assaltar uma barraquinha de cachorro-quente. O produto do roubo se resumia a sete reais, duas salsichas e um vidrinho de mostarda. A ânsia do lugar seguro fê-lo tropeçar, retirando aquilo que chamamos de “tampão do dedão”. Doeu.

Procurou uma farmácia para comprar um band-aid. Na porta uma retirante nordestina pedia ajuda para as crias esfomeadas. Tentou ser insensível. Em vão. Aqueles cabeçudinhos com olhos esperançosos pareciam famintos. Resistiu até que um deles o chamou de “Tio”. Deu os sete reais e comprou o band-aid fiado.

Atravessou a ruela escura para chegar até em casa. Foi surpreendido por um pitt bull não muito amistoso. Eram ele e ele. O chamou de Tótó, ao que parece não ter gostado muito. Tentou Tobby, Rex, Hulk, mas quando citou Snoopy, foi atacado. Para se ver livre do cão do inferno arremessou uma salsinha para o ar, a qual foi abocanhada com precisão. Acreditando estar quite com o canino, retomou sua caminhada. Foi novamente barrado. Havia outra salsinha, que entregou relutante, dizem alguns que até rosnando para o animal. Veio saber um dia que o nome dela, era Carícia.

Foi para casa inconformado. Sentado no chão de terra batida, maldisse o ministro da Fazenda. Com um pão francês já meio endurecido, comeu o vasilhame de mostarda... vencida. Passou mal dois dias. Diarréia. Foi para o hospital onde ali confessou o delito por acreditar estar sendo punido por uma força divina. Balbuciava em meio às cólicas intestinais:

-          É, o crime não compensa.

Na prisão entrou para uma igreja ortodoxa e teve uma “visão”. Ficou desacordado por dois dias e cego por mais três. Encontrou a verdade absoluta. Fundou um grupo de rap chamado “Pavilhão 2.564”. Em evidente plágio, lançou um cd com título “O Milagre do Ladrão” e música de trabalho, “O Crime Não Compensa”. Ficou famoso. Passou naquele programa neste último domingo. Saiu da prisão e se tornou uma referencia religiosa e política. Tornou-se líder comunitário e ainda hoje faz discursos rebuscados contra o Sistema, citando para tanto, a Teoria do Caos. Em cada pronunciamento, o chavão quase que solene: “o crime não compensa”.

Lançou-se como deputado federal. Obteve expressiva votação. Mas ao que parece tem mudado um pouco sua ideologia. Hoje, convive com a aristocracia-branca-rica-dominante, elogia a política monetária e, seu último “milagre”, consiste no sumiço de uma verba para construção de um conjunto habitacional. Contam nos bastidores que, refletindo sobre a trajetória de sua vida, é fácil surpreende-lo dizendo:

- É, o crime “comum” não compensa... mas, os de colarinho branco...

Ah... nossas velhas tendências...