Não porque estava levemente embriagado. Ou com a camisa da seleção e chinelos. Mas a contrariedade da família parecia ser direcionada ao sorriso que escapulia a todo o momento. Sua insistência acabou por vencer os votos contra sua eleição à “Representante da Dor da Família”. Os presentes ainda se perguntavam se, genro, pode ser considerado parente ou coisa parecida. Mais coisa parecida que qualquer outra.
Antes do pronunciamento ficou ao lado do caixão o tempo todo. Na mão um charuto cubano e uma bengala. Diziam alguns que era “para possibilidade dela querer levantar”. Fazia questão de receber os pêsames de todos os solidários. Aquilo de certa forma o consolava.
- Meus sentimentos de reconforto.
- É, os meus são também.
- Como?
- Nada, nada.
- Que semblante de “descanso”, não é mesmo?
- É que dormi bem esta noite.
- Eu estou falando da Dona Queta.
- Ah, sim...
De microfone em punhos foi autorizado pelo Padre a iniciar. Forçou um choro sentido. Sem lágrimas, quase verdadeiro...
- Só uma palavra pode nos ajudar neste instante... Resignação! Eu estou bastante resignado! O Serjão, meu concunhado, também comunga deste entendimento!
- Papai! – uma voz estridente da platéia.
- Eu sei, querida... reconfortemo-nos na idéia que a sua avó descansou... todos nós descansamos!
- Nélio! – outra voz estridente.
- Eu sei, eu sei... neste momento temos que lembrar de seu fisionomia simpática... se bem que nunca a vi tão bem quanto agora! Lembrar do carisma de Dona Queta... e das rimas sacanas que a gente fazia com seu nome!
- Papai!
- Nélio! – vocês sabem quem...
O padre tomou-lhe o microfone das mãos. Um coroinha ria sem pudores. Deram por encerrado o pronunciamento. Apressaram o enterro. Com sua mão direita liderava a solenidade do carregamento do caixão. Com a esquerda segurava a bengala. Ele mesmo fechou com força extremada todas as presilhas da urna. Chamou o funcionário do cemitério num canto e agradou-o com vinte mangos para que aumentasse o tamanho da cova. Querendo redimir-se da postura censurável na igreja, despediu-se convincentemente comovido:
- A família agradece todas as demonstrações de carinho prestadas por esta perda inestimável. De mãos dadas, enxugaremos nossas lágrimas e recordaremos nossa insubstituível matriarca! Adeus, adeus...
A forma sóbria acabou por soar cortês, agradando a filha, a esposa e restante dos familiares. Alguém suspirou. Duas pessoas na verdade. Outra começou a chorar. O entusiasmo do resultado do discurso abriu espaço para maiores considerações...
- Que a luz divina recaia sobre sua alma...
Alguns já vinham lhe cumprimentar. O episódio canônico já havia sido esquecido.
- Que os anjos a recebam com cânticos celestiais...
Aplausos e barulhos de narizes sendo assuados eram ouvidos enquanto o caixão descia. Foi o último a jogar uma flor sobre o caixão. E virando-se, finalizou com emoção:
- Descanse em paz, querida sogra... Gostaria ainda de convidá-los para um almoço domingo próximo lá em casa. Cerveja gelada, picanha maturada e o grupo de pagode do Tuta! Amém!