segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Epitáfio (ou o Conto das Três Marias)



                        A noite começou tumultuada. A tristeza logo cedeu espaço para a desordem. Em volta do caixão três mulheres choravam copiosamente, sem se conhecerem. Nos olhares, mais que farpas, eram disparadas troncos inteiros de ódio. Quem seriam aquelas senhoras vestidas de preto, visivelmente emocionadas? – perguntavam-se interiormente cada uma delas.

                        A situação piorou quando o filho de uma delas o chamou de “pai”. A discusão foi generalizada e perfeitamente entendível. Havia um defunto e três viúvas. E cinco filhos. E três sogras(!). Uma delas simulou um desmaio. Outra pediu calmante. E a outra realmente demaiou.

                        Documentos foram levados para julgamento. Datas foram colocadas em paralelo. Em uma mesa redonda as três rivais disputavam fatos e fotos. Porém, a solução da questão estava tão distante quanto o asteróide B612. Não haviam mais dúvidas. Foram enganadas. Vítimas da lábia sedutora do motorista de ônibus, Sr. Pacheco... ou Pachecão... ou Pachequinho... Dependendo da cidade.

                        A infausta notícia, obviamente, surpreendeu a todas. A princípio concentraram-se em uma guerra particular. Disputavam pêsames a pêsames. Tentavam chorar mais alto, uma do que outra. Três urubus esfomeados em volta de uma mesma carniça. Assim procederam até que, vencidas pelo cansaço ou pela compreensão, aceitaram a condição de presas de um mesmo golpe.

                        Se apresentaram. Maria das Graças. Maria de Fátima. E Maria mesmo. Coincidência ou predileção? A resposta para esta pergunta estava tão morta quanto o presunto sob a bancada de mármore. Começaram timidamente. Maldizendo o morto. Se perguntando onde erraram. Ou como foram tão cegas em não perceber tão épica situação. Logo, estavam trocando confidências...

Maria:  -Ele também dormia depois do almoço?
Maria:  -Claro... de bruços.
Maria: -Roncando baixinho.
Todas: -Menos quando comia feijoada...

                        Foram adquirindo intimidade.

            Maria: - Dia de jogo também era dificil pra vocês?
            Maria: - Cerveja gelada, tira-gosto e a turma da pelada em casa.
            Maria: - Bandeira do Cruzeiro sobre a televisão e vela acesa.
            Todas: - E aí de quem passasse na frente da televisão...

                        Foram adquirindo muita intimidade.

            Maria: - Ele também fazia aquela posição?
            Maria: - Aquela arqueada com a mão pra trás!
            Maria: - A perna entralaçada na cintura!
            Todas: - Que homem, que perda...

                        Durante a madrugada revezaram a vigília para que ele não ficasse um único momento sozinho. Saia uma Maria, outra entrava. Durante o enterro ficaram abraçadas. Combinaram de almoçarem juntas no domingo para discutir sobre o santinho a ser entregue na missa de sétimo dia. Optaram por “AS famíliaS agradecem a solidariedade prestada...”, mas em três formatos diferentes: “Sr. Pacheco”, “Pachecão” e “Pachequinho”. Dependendo da cidade...

2 comentários:

  1. Nossa Thiago, parabéns! Vc escreve demasiadamente bem!!! Pena que vc não está advogando, pois tenho certeza que suas peças são divinas, os juízes agradecem!
    Abraços, Bia.

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